jueves, 5 de febrero de 2009

Livros & Portugal



Crónica
Creo que esta fue la primera "crónica". La publiqué en un blog colectivo de mi pueblo. En portugués, naturalmente, jeje. Para mis amigos portus, pues.



1
Tenho reparado que os meus colegas “interventores” gostam muito de livros. É natural. Precisamente porque gostam de ler também gostam de escrever (as duas actividades costumam dar-se bem juntas), e é por essa razão que escrevem em blogues como este. Olha, que coincidência, eu também! Estou a escrever neste blogue e gosto muito de livros! Grande pancada! A nossa. A dos livros. Temos, isto muito mais ou menos, três mil e quinhentos, vai para quatro mil. As coisas são aproximadas porque enquanto se está a contar eles não param de aparecer.

Também gosto muito de Portugal. Adoro. São duas coisas de que gosto muito. Livros e Portugal. No ano passado, por exemplo, passei três ou quatro meses em Portugal. Alguns dias na Maia, mas a maior parte do tempo em Lisboa. Lembro-me, por exemplo, de ter falado pelo telefone com o Fernando Sá (não nos conhecemos pessoalmente) estando eu no terraço da Biblioteca Nacional. Adorei passar aqueles meses em Portugal, claro. Tudo o que for português eu adoro. Sobretudo quando estou fora. Agora estou na Nova Zelândia. Isto fica longe para caraças.

Parece mal um homem do Porto, como eu, dizer à boca cheia que gosta muito de Lisboa, mas, a verdade seja dita, eu gosto muito de Lisboa. Nesses meses de Outono do ano passado, a caminho da Biblioteca Nacional, dei uns passeiozinhos pela cidade. Podia sair na estação do metro do Campo Grande e meter-me logo na Biblioteca. Podia. Mas preferia sair cá em baixo, no Saldanha, e dar uma grande volta. Metia pela Miguel Bombarda, saía na Visconde Valmor, descia outra vez para a Gulbenkian, subia pela Avenida de Berna. Ia aos esses, tipo bêbedo. É o que dá as misturas, do género Portugal & Livros, exercício e saudade. Por isso é que ia para a Biblioteca Nacional. Por causa da pancada dos livros. Ia trabalhar no computador, porque estou a escrever um. Um livro, claro. É uma coisa que podia fazer perfeitamente num cafezinho ou numa esplanada, mas gosto de me sentir rodeado de livros. Além disso, dizia eu, se chegasse a precisar de consultar qualquer coisa era só levantar-me da cadeira e pegar num livro.

Hummmm. Pois. Aqui é que a porca torce o rabo.
Porque não era bem assim. Tão fácil. Vou explicar. Para entrar no edifício da Biblioteca Nacional é preciso passar pelo meio daquelas antenas dos aeroportos que apitam quando uma pessoa anda com armas. Se algum dia precisar de ir à Biblioteca consultar um livro recomendo que não leve armas de nenhum tipo. É inútil, eles têm a máquina. Depois de passar pelas antenas vê-se logo o grande hall de entrada, muito alto, majestoso, com uns penduricalhos de Arraiolos destacados de forma tão proeminente que devem ser coisa importante. O primeiro tapete de Arraiolos do mundo ou qualquer coisa desse género. Uma pessoa fica logo curiosa e quer entrar. Mas não se pode passar porque há uma série de cancelas de metal que só abrem de lá para cá. Abrem se a pessoa poisar um cartão especial lá num sítio ou quando se introduz o código secreto no key pad. De outra forma não abrem. Uma pessoa acaba de passar pelas antenas e não sabe muito bem que é que há-de fazer, para que lado se há-de virar. Já que os aparelhos não apitassem foi uma grande sorte. Ao fundo da parede estão dois seguranças, muito bem compostos, sim senhor, fardados, de boné na cabeça e tudo. Deve ser por aquele lado. Boa tarde. Boa tarde. Boa tarde. (Não é o eco, eles são dois. Acasalam-nos aos pares que é para se defenderem em caso de agressão dos leitores).

– Isto é a Biblioteca Nacional, não é?

Um dos homens diz que sim com a cabeça. Parece que é. O outro está cansado de ouvir sempre a mesma conversa e não consegue disfarçar que está aborrecido.

– Posso passar? – pergunto eu, muito atrevido.

– Tem cartão? – pergunta ele, a pôr-me logo no sítio.

Cartão? Ah, cartão multibanco, pois, percebi, penso eu. Já me parecia muito bonito isto de vir cá ver livros à borla.

– Cartão da biblioteca – explica ele.

– Não, senhor, não tenho.

– Tem de tirar o cartão para poder entrar.

– E onde é que se tira?

– É ali – diz ele, apontando para uma porta aberta lá dentro e lá longe, quase ao fundo do corredor, num sítio escuro.

Deve estar a brincar comigo, só pode ser. Para entrar preciso de um cartão e o cartão só o posso tirar lá dentro. Isto deve de haver aqui alguma câmara de apanhados. Mas o senhor segurança parece que me leu o pensamento e aprontou-se logo a explicar.

– Eu abro daqui – diz, ao mesmo tempo que carrega no botão e uma daquelas cancelinhas electrónicas abre.

Lá passei e fui para a salinha do fundo do corredor. Como está tudo muito silencioso entro quase a medo, palavra de honra, pé ante pé. Há lá duas funcionárias atrás dos seus respectivos computadores. Estão concentradas, ocupadíssimas, naturalmente. As pessoas neste país têm muito má cara porque trabalham todas que se fartam, que nem escravas. Depois de trabalhar mais um bocado, um bom quarto de hora, uma das senhoras espreita por cima do ecrã do computador e lá me vê. Cumprimento eu, que fui o último a chegar. Este é um daqueles sagrados convencionalismos portugueses que até nos parecem constantes internacionais do universo, em geral, e do comportamento humano, em particular. Mas pronto, não me importa nada, ora essa, cumprimento eu. Só de olhar para a cara da senhora já sei que se não me portar bem não há cartão. À menor imprudência da minha parte vai logo dizer-me que há um problema no sistema barlabadéu pardais ao ninho. Eu sempre tive a mania que sou bom, desde pequenino, de que sou gozão. Por isso é que tenho apanhado tanta biqueirada no cu ao longo da vida. Mas pelos livros sou capaz de tudo. Vou-me portar bem. Passo-lhe o BI para a mão, respondo às perguntas, pago não sei quanto, já não me lembro, sempre a sorrir. Ela é um bocadinho lenta, mas não faz mal, eu espero. Numa boa, tudo bem.

– Pronto, já está. Boa tarde e obrigada – diz ela, e volta para o seu computador.

Eu acho que não estou maluco. Vim cá tirar o cartão e ela despede-se de mim e não me dá o cartão?

– Ehem, cof cof. A senhora desculpe... ehem, o cartão...

– O cartão está pronto amanhã – responde-me ela, e volta a mergulhar com toda a força no computador. De certeza que está a ler daquelas mensagens brasileiras que pedem às pessoas para serem boas com Deus e fazerem foruardes dos emeiles. De certezinha absoluta. Quem a vê de fora, com aquela cara de stress, parece mesmo uma santa muito ocupada.

– Cof-cof... a... mas... posso entrar?

– Claro, com certeza. Explique lá dentro aos meus colegas que ainda não tem o cartão.

Sempre que posso, evito falar com colegas. Naquele primeiro dia não pedi livro nenhum, por tímido e morcão, como sempre. Mas no dia seguinte, lá me enchi de coragem e voltei à Biblioteca Nacional. Ia com aquela força toda, com aquela disposição, com aquele ímpeto, mas o segurança logo que me viu mandou-me parar. Ei, pst, cht, o senhor não pode entrar. Muito gostava ele de me pôr no sítio. Não pode entrar com a mala do computador. Não me explicou mais nada mas eu lá fui aprendendo como era, pouco a pouco, como na escola, a olhar para o lado e a estudar os outros. É preciso deixar os objectos pessoais num cacifo fechado à chave e entrar na sala de leitura com uma sacola de plástico transparente. O saco é transparente para mostrar que não se está a roubar nada. Enfim. É mais fácil entrar e sair dos headquarters da CIA com o expediente do assassinato do Kennedy debaixo do braço que entrar ou sair da Biblioteca Nacional com um romance do Paulo Coelho.

Passadas poucas semanas também já sabia pedir livros. Era assim: primeiro era preciso entrar na rede com uma grande palavra-chave muito sigilosa que tinha mais de vinte números hiper-secretos. Depois de bater no teclado, às cegas, vinte números invisíveis, transcritos no ecrã como enigmáticas bolinhas, não era de admirar que o computador dissesse que tinha o acesso “denegado”! Mas se estivesse num dia de sorte e tudo corresse bem, acabava por entrar na rede. Depois de entrar na base de dados era preciso preencher uma fichazinha à mão, com os dados todos do livro e aí é que começava o processo. Porque só se podia pedir um máximo de três livros de cada vez, e um máximo de dez por dia em dia ímpar, se o ano em questão fosse bissexto mas não divisível por quatrocentos! Eu avisei com tempo que gostava muito de Portugal.

2
Estou a viver numa cidade chamada Dunedin, no sul da Nova Zelândia. A cidade tem 120.000 habitantes. Julgo que é mais ou menos o número de habitantes da Maia. Noutro dia passei pela biblioteca municipal e entrei. Mesmo à entrada há um balcão de atendimento. Imediatamente vem uma senhora e pergunta se pode ajudar. Eu pergunto se posso entrar e dar uma olhadela. Pegue no que quiser, sente-se, leia, sinta-se à vontade, disse-me ela. Eu peço às pessoas para falarem devagar porque se não não percebo patavina e elas falam depressa na mesma mas simplificar verbos porque tu parecer atrasado mental. Pelo menos é essa a sensação que tenho. É muito divertido. Noutro dia conto. Os livros. São de livre acesso, naturalmente. Há gente de todas as idades, cores e feitios, por todo o lado. E sofás e mesas e cadeiras e cadeirões aos molhinhos, uns por aqui, outros por acolá. Dou a volta ao primeiro andar e fico surpreendido pela quantidade de livros, revistas, obras de referência, pela quantidade de tudo. Mas ainda me faltam mais dois andares repletos de livros, além dos computadores, CDs, DVDs e dos brinquedos para os miúdos. Passei um par de horas a vasculhar livros. Depois, voltei ao rés-do-chão e sentei-me a descansar as pernas lá nuns sofás. Mesmo ao meu lado estavam umas máquinas parecidas ao checkouts dos supermercados. As pessoas chegavam lá, apresentavam um cartão, passavam os códigos de barras dos livros e lá iam elas, todas sorridentes com a vida, com os livrinhos debaixo do braço. Imediatamente fui ao balcão de atendimento e perguntei à senhora se podia tirar um cartão como o daquelas pessoas que estavam para ali a roubar os livros todos. Ela lá se pôs a abrir muito a boca e em menos de cinco minutos dar cartão a mim. Quantos livros é que a senhora disse que se pode levar para casa? Desculpe lá, não percebi bem. Thirty ou thirteen? Tu poder tirar trinta livros, meu morcão, dizia-me ela, com a boca muito aberta. Esvaziei as estantes no saque intelectual do século. Se os funcionários da Biblioteca Nacional me vissem nestes actos de vandalismo intelectual morriam de enfarto. Coitadinhos. Eles e os chefes deles, que são quem tem a culpa, são uns portuguesinhos provincianitos mas que têm a mania que são doutores. Pobrezinhos.

Esta é a biblioteca municipal da parvónia. Deixo para outro dia as coisas sérias, como a biblioteca central da Universidade de Otago, aqui nesta mesma cidade, com meio milhão de livros. Agora, como já se deve ter notado, fez-se tarde e estou com pressa. Boas leituras.

3 comentarios:

matraka dijo...

Eu sou venezuelano. E esteve em sua linda cidade Lisboa por vez primera o ano pasado... Quero dizer apenas que adorei o povo portugues, seus livros y seus autores. Parabems por seu blogue. Esta muy chevere mi pana!

Saludos, y muchos exitos!

Jaime Senra dijo...

Hola Matraka,
yo tambien adoro Portugal pero tengo una relación agridulce con la cosa porq veo las cosas buenas y las no tan buenas. Lo mismo me sucede con Vnzla, por supuesto. Que haces por Uruguay? Gracias por tu comentario. Jaime

matraka dijo...

Hola Jaime!,

A Uruguay, me trajo la marea, y simplemente trabajo y hago sociales: simple y placentero!. Ese sabor que mencionas esta en todos los paises, algunas veces mas dulce algunas veces mas triste, que se yo...??

Ahora tengo ganas de tirar unas lineas...me parece un salto gigante!!. Lo cierto es que descubri que agarro confianza - tal vez por afinidad - gracias a la lectura de blogs como el tuyo!.

Un gusto leerte!.

Slds a la raza!